Movimento Salvai Almas - 11/04/2015 - Confusão alarmante Entrevista com declarações preciosas do grande Cardeal Raymond Leo Burke

 

11/04/2015
Confusão alarmante
Entrevista com declarações preciosas do grande Cardeal Raymond Leo Burke
 

CONFUSÃO ALARMANTE

Cardeal Raymond Leo Burke: confusão está se disseminando entre os católicos “de maneira alarmante”.

O Cardeal Raymond Burke conversou em Roma, no dia 21 de janeiro, com Jeanne Smits, correspondente em Paris do LifeSiteNews.

Fonte: https://fratresinunum.com/2015/04/08/cardeal-burke-diz-que-a-confusao-esta-se-disseminando-entre-os-catolicos-de-uma-maneira-alarmante/

Por Jeanne Smits – Life Site News | Tradução: Teresa Maria Freixinho – Fratres in Unum.com

LifeSiteNews: Desde o sínodo extraordinário sobre a família, entramos em um período de incerteza e confusão a respeito de vários temas polêmicos: comunhão para casais divorciados e “recasados”, uma mudança de atitude em relação às uniões homossexuais e um aparente relaxamento de postura em relação a casais não casados. Vossa Eminência acha que essa confusão já está produzindo efeitos adversos entre os católicos?

Cardeal Burke: Sim, certamente. Eu mesmo ouço essas coisas. Ouço essa confusão tanto de católicos leigos quanto de bispos. Agora, por exemplo, as pessoas estão afirmando que a Igreja mudou a sua doutrina a respeito das relações sexuais fora do casamento no que diz respeito ao mal intrínseco dos atos homossexuais. Ou pessoas que vivem em uniões matrimoniais irregulares estão exigindo a recepção da Sagrada Comunhão, alegando que essa é a vontade do Santo Padre. E temos situações espantosas, como as declarações do bispo de Antuérpia a respeito dos atos homossexuais, que ainda não foram corrigidas. Assim, podemos perceber que essa confusão está efetivamente se disseminando de maneira alarmante.

LSN: O bispo Bonny [de Antuérpia, Bélgica, ao qual o cardeal se referiu acima] diz que a Humanae Vitae foi contestada por muitos; agora seria a vez de contestar outras coisas. Será que não estamos em uma época em que os ensinamentos da Igreja estão sendo contestados mais do que outrora?

CB: Sim, creio que sim. Atualmente, parece que as pessoas que antes não contestavam a doutrina da Igreja, porque era óbvio que a autoridade da Igreja proibia certas discussões, sentem-se muito à vontade para contestar até mesmo a lei moral natural, incluindo uma doutrina como aquela expressa na Humanae vitae, que tem sido o ensinamento constante da Igreja a respeito da contracepção.

LSN: Após a publicação da Relatio post disceptationem disseram que houve uma manipulação, que consistia em colocar no sínodo questões que realmente não tinham nada a ver com a família. O senhor poderia falar sobre como e por que aconteceu essa “manipulação”? Quem está se beneficiando dela?

CB: É claro que houve uma manipulação, porque as intervenções reais dos membros do sínodo não foram publicadas, e somente o relatório preliminar (“relatio post disceptationem”) foi disponibilizado, o qual realmente não tinha nada a ver com o que estava sendo apresentado no sínodo. E, portanto, na minha opinião, é claro que havia pessoas que, obviamente, exerceram uma forte influência sobre o processo sinodal e que estavam promovendo uma agenda que não tem nada a ver com a verdade sobre o matrimônio, conforme Nosso Senhor nos ensina, e da maneira que nos é transmitida na Igreja. Essa agenda estava relacionada à tentativa de justificar as relações sexuais extramatrimoniais e os atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo e, de certa forma, claramente relativizar e até mesmo ofuscar a beleza da doutrina da Igreja sobre o matrimônio como união fiel, indissolúvel e procriativa entre um homem e uma mulher.

LSN: A quem essa agenda está beneficiando? Como fiéis católicos, estamos surpresos e preocupados com o surgimento súbito desses temas.

CB: Bem, essa agenda não pode ser benéfica para ninguém, porque ela não é verdadeira: ela não é a verdade. E, portanto, ela só está prejudicando a todos. Ela pode ser percebida como um benefício, por exemplo, para as pessoas que, por qualquer motivo, são flagradas em situações imorais. Alguns podem percebê-la como se, de alguma forma, ela os justificasse. Porém, ela não pode justificá-los, porque os próprios atos não podem ser justificados.

LSN: Em algum lugar o senhor mencionou a resistência firme a respeito desses pontos por parte de muitos padres sinodais. Será que esse não é um grande sinal de esperança? Essa resistência o surpreendeu?

CB: Não, não me surpreendeu, embora eu tenha me sentido muito grato por essa resistência, porque em dado momento quando a relatio post disceptationem foi entregue, por exemplo, quando observamos a direção que claramente estava sendo dada ao sínodo, receamos que talvez os padres sinodais não falassem claramente, mas eles o fizeram. E eles falaram com firmeza, vários deles, e agradeço a Deus por isso. Espero que esses mesmos padres sinodais – espero que muitos deles sejam nomeados para a sessão de setembro de 2015 – também sejam fortes nesse cenário.

LSN: Há ainda alguma confusão sobre o significado dos votos nos três artigos que não obtiveram maioria absoluta de dois terços. Eles foram incluídos no relatório final e nos Lineamenta. Eles efetivamente obtiveram maiorias simples de mais da metade, mas o que me chama a atenção é que os parágrafos foram redigidos de tal forma que realmente não podemos saber o que o voto significa. Será que a minha impressão está equivocada?

CB: Isso é muito confuso. Creio que já participei de cinco sínodos, e em todos eles, exceto neste, uma proposição – nesse caso, um parágrafo – que não tivesse recebido os dois terços de votos necessários era simplesmente eliminada; ela não era publicada, e não se tornava parte do documento sinodal. Nesse caso, eles insistiram em publicar o documento com todos os parágrafos, simplesmente indicando o número de votos. E, por isso, muitas pessoas consideram isso como uma indicação de que esses parágrafos são mais ou menos tão aceitáveis quanto os demais. Porém, na verdade, eles foram excluídos pelos membros do sínodo. Infelizmente, eles receberam uma maioria simples de votos, o que me preocupa muito – ou seja, que tantos padres sinodais tenham votado em favor dos textos que estavam confusos, e alguns simplesmente continham erro.

LSN: Muitas vezes, até mesmo os padres sinodais que elogiaram temas como “recasamento” de divorciados e uniões de homossexuais ou de pessoas não casadas têm reiterado que a questão não é doutrinal, mas pastoral. Qual é a sua resposta a essa afirmação?

CB: Que essa é simplesmente uma falsa distinção. Não pode haver coisa alguma que seja verdadeiramente sã do ponto de vista pastoral que não o seja do ponto de vista doutrinal. Em outras palavras: não se pode separar o amor da verdade. Ainda em outras palavras: não existe amor fora da verdade. Assim, é falsa a afirmação de que estaríamos fazendo apenas mudanças pastorais que nada têm a ver com a doutrina. Se admitirmos pessoas que estão vivendo em uniões matrimoniais irregulares à Sagrada Comunhão, então, estaremos diretamente fazendo uma declaração sobre a indissolubilidade do matrimônio, porque Nosso Senhor disse: “Aquele que repudia sua mulher e se casa com outra, comete adultério”. E a pessoa que se encontra em uma união matrimonial irregular está vivendo publicamente em estado de adultério. Se dermos a Sagrada Comunhão a essa pessoa, então, de alguma forma, estamos dizendo que isso está correto em termos doutrinais. Mas não pode ser assim.

LSN: Sendo assim, o simples fato de colocar esse tema em discussão já é um erro.

CB: Sim. Na verdade, pedi mais de uma vez que esses temas que nada têm a ver com a verdade sobre o matrimônio fossem retirados da agenda do sínodo. [Se as pessoas quiserem discutir essas questões, tudo bem, mas elas não têm nada a ver com a doutrina da Igreja sobre o matrimônio.] E o mesmo vale para a questão dos atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo, e assim por diante.

LSN: Como católicos, sabemos que o matrimônio é vinculante para toda a vida e que ele é um “sinal” da união de Cristo com a Igreja, e também sabemos da sua profunda ligação com a Eucaristia. A “teologia do corpo” do Papa João Paulo II lançou uma luz particular sobre esse assunto, mas sua obra não foi citada nos sucessivos documentos sinodais. Qual é a sua opinião sobre essa omissão, e será que a popularização dessa obra não ofereceria respostas concretas para os problemas contemporâneos?

CB: Sim, sem dúvida. O ensinamento de São João Paulo II é tão luminoso, e ele se dedicou com tanta atenção e intenção à questão da verdade sobre a sexualidade humana e a verdade sobre o matrimônio, como vários de nós dissemos nas discussões sinodais e nos pequenos grupos de discussão. Pedimos um retorno daquele magistério do Papa João Paulo II, que é uma reflexão sobre o que a Igreja sempre ensinou e praticou. Mas, na verdade, alguns poderiam ter a impressão de que a Igreja não tinha doutrina alguma nessas áreas.

LSN: Isso é muito extraordinário …

CB: Isso é muito extraordinário. Isso é assombroso. Custei a crer no que estava vendo. Na verdade, acredito que algumas pessoas se recusam a crer que isso seja verdade, porque é um absurdo.

LSN: São João Paulo II respondeu efetivamente à ideologia de gênero antes que ela se tornasse bem conhecida.

CB: Sim, sem dúvida. Ele estava tratando de todas essas questões em um nível muito profundo e lidava com elas estritamente nos termos da lei moral natural, o que a razão nos ensina e o que a fé nos ensina, obviamente em união com a razão, mas elevando e iluminando o que a razão nos ensina sobre a sexualidade humana e sobre o matrimônio.

LSN: Os pontos de vista do Cardeal Kasper e, mais recentemente, do Bispo Bonny, de Antuérpia, e de outros prelados, incluíam a consideração de que homossexuais “fiéis”, divorciados “recasados” e casais não casados demonstram qualidades de auto-sacrifício, generosidade e dedicação que não podem ser ignoradas. Porém, através de sua escolha de estilo de vida, eles se encontram em uma condição que precisa ser percebida por estranhos como estado de pecado mortal objetivo: um estado de pecado mortal escolhido e prolongado. O senhor poderia nos recordar o ensinamento da Igreja sobre o valor e o mérito da oração e das boas ações nesse estado?

CB: Se estivermos vivendo publicamente em estado de pecado mortal, não há qualquer ato bom que possamos fazer que justifique essa situação: a pessoa continua em pecado grave. Acreditamos que Deus criou todo mundo bom, e que Deus quer a salvação de todos os homens, mas isso só pode acontecer pela conversão de vida. E assim temos que chamar à conversão as pessoas que vivem nessas situações gravemente pecaminosas. Dar a impressão de que, de alguma forma, existe algo bom a respeito de viver em estado de pecado grave é simplesmente contrário a tudo o que a Igreja sempre ensinou em todos os lugares.

LSN: Então, será que não basta quando alguém diz: “sim, é verdade que essas pessoas são amáveis, são dedicadas, elas são generosas”?

CB: É claro que não é. É como a pessoa que assassina alguém e, no entanto, é gentil com as outras pessoas …

LSN: Que cuidado pastoral verdadeiro o senhor recomendaria às pessoas nessas situações, e o que elas podem obter praticando sua fé, na medida do possível, quando elas não puderem obter absolvição ou receber a Sagrada Comunhão?

CB: Em minha própria experiência pastoral já trabalhei com pessoas que se encontram nessas situações e tentei ajudá-las, com tempo, no que diz respeito também às obrigações que por dever de justiça elas precisam cumprir, para que mudem o rumo de suas vidas. Por exemplo, no caso daquelas pessoas que estão em uniões matrimoniais inválidas, tentar ajudá-las a se separar, se for possível, ou viver como irmão e irmã em um relacionamento casto, se houver filhos e se eles forem obrigados a educá-los.

LSN: Será que no caso de casais recasados que têm seus próprios filhos e filhos de um casamento anterior, isto não cria situações muito difíceis?

CB: Claro que sim. Na verdade, estou profundamente preocupado com a discussão a respeito do processo de nulidade matrimonial: as pessoas têm a impressão de que só existe uma parte envolvida, ou seja, a pessoa que está pedindo a declaração de nulidade. O fato é que existem duas partes envolvidas, há crianças envolvidas e há todos os tipos de outros relacionamentos envolvidos em qualquer matrimônio. E, portanto, o assunto é extremamente complexo, ele nunca poderá ter algum tipo de solução fácil.

LSN: A questão da Comunhão espiritual tem sido levantada para essas pessoas que estão vivendo em matrimônios inválidos ou uniões impossíveis. Não entendo muito bem como se pode ter uma comunhão espiritual nesse tipo de estado.

CB: Essa expressão foi utilizada de maneira imprecisa. Para fazer uma comunhão espiritual é preciso ter todas as disposições necessárias para realmente receber a Sagrada Comunhão. A pessoa que faz uma comunhão espiritual encontra-se simplesmente em uma situação em que ele ou ela não tem acesso ao Sacramento, mas está totalmente disposta a receber o Sacramento, e assim a pessoa faz um ato de comunhão espiritual. Acho que aqueles que utilizavam essa expressão tinham em mente o desejo das pessoas que se encontram em situação pecaminosa de abandonarem essa situação. Então, elas rezam e pedem a ajuda de Deus para dar a volta por cima, mudar de vida e encontrar uma nova maneira de viver, de modo que possam viver em estado de graça. Poderíamos chamar isso de desejo pela Santa Comunhão, mas não se trata de uma comunhão espiritual. Não pode ser. A propósito, a natureza da comunhão espiritual foi definida no Concílio de Trento: ele deixou bem claro que ela exige todas as disposições, e isso faz sentido.

LSN: Como a Igreja pode efetivamente ajudar todas as pessoas envolvidas: cônjuges abandonados, filhos de matrimônios legítimos que são prejudicados pelo divórcio de seus pais, pessoas que estão lutando contra tendências homossexuais ou que de certa forma tenham “caído na armadilha” de uma união ilegítima? E qual deve ser a nossa atitude, a atitude dos fiéis?

CB: O que a Igreja pode fazer, e isso é o maior ato de amor por parte da Igreja, é apresentar a doutrina sobre o matrimônio, o ensinamento que resulta das próprias palavras de Cristo, a doutrina constante na tradição, para todos, como um sinal de esperança para as pessoas. E também, ajudá-las a reconhecer o pecado da situação em que se encontram e, ao mesmo tempo, exortá-las a abandonar a situação de pecado e encontrar uma maneira de viver de acordo com a verdade. E essa é a única maneira que a Igreja pode ajudar. Essa foi a minha grande esperança para o sínodo: que o sínodo defendesse perante o mundo a grande beleza do matrimônio, e essa beleza é a verdade acerca do matrimônio. Sempre digo às pessoas: a indissolubilidade não é uma maldição, ela é a grande beleza do relacionamento conjugal. É isso que confere beleza ao relacionamento entre um homem e uma mulher: a união indissolúvel, fiel e procriativa. Mas agora as pessoas praticamente começam a ter a sensação de que de alguma maneira a Igreja se envergonha do tesouro belíssimo que temos no matrimônio, como Deus criou o homem e a mulher desde o início.

LSN: Às vezes, alguns pastores parecem ter vergonha de falar sobre o pecado ou sobre castidade.

CB: Isso também foi mencionado no sínodo. Um dos padres sinodais disse: “Será que não existe mais pecado?” As pessoas têm essa impressão. E, infelizmente, desde a queda de nossos primeiros pais, há sempre a tentação de pecar, e o pecado está presente no mundo. Temos que reconhecer essa realidade, chamá-la pelo nome apropriado e tentar superá-la.

LSN: Será que não existe um apelo especial para que os pais católicos e cristãos eduquem seus filhos para a modéstia e a decência? Isso desapareceu completamente em muitos lugares.

CB: Sim, é bem verdade que sim. Parte do Evangelho da Vida é ensinar às crianças no lar e nas escolas as virtudes fundamentais que demonstram respeito pela nossa própria vida e pela vida de outras pessoas, assim como por nossos próprios corpos, ou seja, a modéstia, a pureza e a castidade, formando os jovens dessa maneira desde cedo. Mas isso também encontra-se em grande perigo, simplesmente, porque a catequese na Igreja tem sido muito fraca e, em alguns casos, confusa e errônea. Tem havido uma desintegração tão grande na vida familiar, que as crianças estão sujeitas a uma educação que as deixa despreparadas para viver a verdade sobre o matrimônio, a verdade sobre seus próprios corpos e a verdade sobre suas próprias vidas.

LSN: O que deveríamos fazer com mais urgência para evitar a desordem do divórcio e de todas as uniões inaceitáveis?

CB: Creio realmente que isso começa na família. Precisamos fortalecer as famílias, formar marido e esposa em primeiro lugar para viver a verdade do matrimônio em seu próprio lar, que então se torna não somente a fonte de salvação para eles, mas também uma luz no mundo. Um matrimônio vivido na verdade é tão atraente e tão belo que leva à conversão de outras almas. Precisamos formar as crianças dessa maneira e, especialmente em nossos dias, as crianças precisam ser educadas de maneira que possam opor-se à cultura dominante. Elas não podem, por exemplo, aceitar essa teoria de gênero que está infectando nossa sociedade; elas têm que ser criadas para rejeitar essas falsidades e viver a verdade.

LSN: Entendo que existe um vínculo entre contracepção e divórcio: 30% a 50% dos casais que praticam contracepção irão se divorciar, ao passo que menos de 5% das pessoas que não a praticam, sejam elas cristãs ou não, ou que praticam o planejamento familiar natural, irão se divorciar. O senhor concorda que uma linguagem clara e um envolvimento pastoral maior por parte da Igreja no sentido de promover a Humanae Vitae são fundamentais para lograr mais uniões estáveis?

CB: Sim, sem dúvida. E o bem-aventurado Papa Paulo VI deixou isso bem claro em sua Carta Encíclica Humanae vitae, afirmando que a prática da contracepção conduziria à desintegração da vida familiar, à perda do respeito pelas mulheres. Precisamos simplesmente refletir sobre o fato de que um casal que pratica a contracepção já não se entrega totalmente um ao outro. A contracepção já introduz um elemento de desagregação no matrimônio e se isso não for corrigido e reparado poderá facilmente levar ao divórcio.

LSN: Quanto à questão do tamanho da família e da liberdade dos pais, o senhor se preocupa de modo especial com o movimento “ecológico” mundial e a promoção internacional do planejamento familiar e do controle populacional?

CB: Sim, esses temas me preocupam bastante porque as pessoas estão sendo conduzidas a um falso modo de pensar, no sentido de que devem praticar alguma forma de controle da natalidade para que sejam administradores responsáveis do planeta. Para falar a verdade, a taxa de natalidade na maioria dos países está muito aquém do necessário para substituir a população atual. Deixando tudo isso de lado, a verdade é que se Deus chama um casal para o matrimônio, então, Ele os está chamando também para serem generosos no acolhimento do dom de uma nova vida humana. E, por isso, precisamos de muitas famílias numerosas hoje em dia, e, graças a Deus, atualmente, percebo entre alguns casais jovens uma notável generosidade no que diz respeito às crianças. Outra coisa que raramente ouço ser mencionada hoje em dia, mas que sempre era enfatizada quando eu era jovem, assim como na tradição da Igreja, é que os pais devem ser generosos em ter filhos, de modo que alguns de seus filhos possam receber um chamado ao sacerdócio ou à vida consagrada e ao serviço da Igreja. E essa generosidade dos pais certamente vai inspirar uma generosa resposta no filho que tiver uma vocação.

LSN: Muitos dirão que o matrimônio monogâmico para a vida inteira é muito bom para os católicos, mas que a “dureza de coração” dos não católicos deve permitir o divórcio e um novo casamento nas legislações civis. Por outro lado, nações cristãs têm se empenhado muito para trazer estabilidade social e dignidade ao matrimônio natural em muitos lugares do mundo. Será que a vinda de Cristo mudou a situação de todos os homens e será que é certo promover e até mesmo impor essa visão do matrimônio natural mesmo em sociedades não católicas?

CB: Creio que é preciso salientar exatamente que a doutrina de Cristo sobre o matrimônio é uma afirmação, uma confirmação, da verdade sobre o matrimônio desde o início, usando Suas próprias palavras, ou aquela verdade sobre o matrimônio inscrita no coração de cada ser humano. E assim, quando a Igreja ensina sobre o matrimônio monogâmico, fiel e duradouro, ela está ensinando a lei moral natural e está certa em insistir sobre esse tema na sociedade em geral. O Concílio Ecumênico Vaticano II referiu-se ao divórcio como uma praga em nossa sociedade, e de fato é. A Igreja tem que ser cada vez mais forte na luta contra a prática disseminada do divórcio.

LSN: O senhor acha que os estudos sobre a situação e resultados melhores das crianças que vivem em famílias monogâmicas estáveis devem desempenhar um papel maior na preparação para o casamento?

CB: Penso que sim. É preciso enfatizar a beleza do matrimônio, como ele é vivido por muitos casais hoje em dia, de maneira fiel e generosa, assim como a experiência da vida familiar pelas crianças que vivem em uma família amorosa… o que não significa que não existam desafios. Isso não significa que não existem momentos difíceis na família e no casamento, porém, com a ajuda da graça de Deus, no final das contas, a resposta é sempre de amor, de sacrifício e de aceitação de qualquer sofrimento necessário para ser fiel ao amor.

LSN: Mas a sociedade moderna não aceita o sofrimento, seja no final da vida, durante a gravidez ou no matrimônio…

CB: É claro, ela não compreende porque não entende o sentido do amor. Cristo disse: “Se alguém quiser me seguir, tome a sua cruz e siga-me”. Portanto, a essência da nossa vida é sofrer por amor: o amor de Deus e do nosso próximo.

LSN: O senhor concorda, como várias pessoas estão afirmando, que muitos matrimônios católicos hoje em dia frequentemente são inválidos devido à falta de preparação ou à ignorância acerca do sentido das promessas matrimoniais? Qual foi a sua experiência específica sobre esse tema como Prefeito do Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica?

CB: Acho que não tem muito sentido fazer declarações gerais sobre o número de casamentos válidos ou inválidos. Cada matrimônio precisa ser analisado, e o fato de que talvez as pessoas não tenham sido bem catequizadas, entre outras coisas, certamente poderá enfraquecê-las para a vida matrimonial, mas isso não necessariamente constituiria uma indicação de que elas dariam um consentimento matrimonial inválido, porque a própria natureza nos ensina acerca do matrimônio. Constatamos isso na Assinatura Apostólica: sim, havia mais declarações de nulidade matrimonial, mas ao examinarmos esses casos, havia muitos em que a nulidade matrimonial não estava estabelecida, não se comprovando verdadeira.

LSN: O senhor demonstrou no livro “Remaining in the Truth of Christ” [“Permanecendo na Verdade de Cristo”] que a simplificação do processo não é a resposta.

CB: De maneira alguma, porque há situações muito complexas, e elas exigem um processo cuidadosamente articulado, a fim de chegarmos à verdade. Se não nos importarmos mais sobre a verdade, então, qualquer processo será aceitável, mas, se nos preocupamos com a verdade, então, o processo de nulidade matrimonial terá que ser um processo como o que a Igreja atualmente utiliza.

LSN: E a Igreja tem feito muita coisa pelos processos judiciais no mundo civilizado …

CB: A Igreja tem sido admirada ao longo dos anos como um espelho de justiça; sua própria maneira de administrar a justiça serviu de modelo para outras jurisdições. Já houve uma experiência na Igreja com um processo de nulidade matrimonial modificado que ocorreu nos Estados Unidos de 1971 a 1983. Esse processo teve efeitos desastrosos, e não sem razão as pessoas começaram a falar sobre “divórcio católico”. Isso é um escândalo para aqueles que trabalham com a justiça ou administram a justiça na ordem secular, porque quando eles veem que a Igreja não pratica a justiça, passam a não se importar mais com a verdade. Então, o que a lei e a justiça possivelmente significam?

LSN: Recentemente, um exorcista italiano, o padre Sante Babolin, disse que durante um exorcismo, o espírito mau que atormentava a esposa de um de seus amigos disse-lhe: “Não posso suportar que eles se amem.” Será que isso não é uma mensagem em que os casais devem meditar?

CB: Sim, sem dúvida. Não há força maior contra o mal no mundo do que o amor de um homem e de uma mulher no matrimônio. Depois da Sagrada Eucaristia, ele tem um poder além de qualquer coisa que se possa imaginar. Eu não conhecia essa história, mas não me surpreende e, certamente, é verdade que quando um casal celebra o matrimônio com toda a sua mente e coração, o demônio entrará em ação para tentar estragar o lar, porque o lar é um berço de graça, onde a graça é recebida não somente para o casal, mas para os filhos e para aqueles que conhecem a família.

LSN: Como os casais podem valorizar e proteger mais seu amor conjugal?

CB: Primeiramente, através de uma vida de oração fiel e diária, bem como através da confissão regular, pois todos nós precisamos de ajuda para vencer o pecado em nossas vidas, até mesmo pequenos pecados, pecados veniais, mas também para nos defendermos contra mais pecados graves. E, em seguida, é claro, a Eucaristia é o centro de toda a vida cristã de um modo muito especial. Ela é o centro da vida matrimonial porque é comunhão com Nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida desse amor que Ele tem pela Igreja, da qual o matrimônio é sacramento: o matrimônio é o sinal de seu amor no mundo e, portanto, na Eucaristia, o casal recebe a graça, a maioria de todos, sobretudo, para viver a aliança de amor.

LSN: O senhor acha que existe uma ligação entre a “morte do culto” – uma liturgia não adoradora e antropocêntrica – e a cultura da morte?

CB: Estou muito convencido de que quando os abusos entraram nas práticas litúrgicas da Igreja, abusos que refletem uma direção muito antropocêntrica, em outras palavras, quando o culto sagrado começou a ser apresentado como a atividade humana, em vez da ação de Deus em nosso meio, as pessoas foram levadas claramente a uma direção errada, e esses abusos têm exercido um impacto muito negativo sobre a vida de cada um e, particularmente, sobre a vida matrimonial. A beleza da vida  é percebida de uma maneira muito particular e confirmada no Sacrifício Eucarístico.

LSN: Como católicos, somos obrigados a agir em sociedade e também a agir politicamente, a termos um engajamento político. Porém, na França não existe um único partido que esteja defendendo o matrimônio completamente e que esteja defendendo a vida completamente. O que os católicos devem fazer: engajar-se em um movimento, mesmo quando sabem que esse movimento é contra os princípios inegociáveis ou será que devem tentar criar algo mais?

CB: Idealmente, os católicos devem tentar construir uma força política na sociedade que apoie totalmente a verdade e os bens inegociáveis no que diz respeito à vida humana e à família. E eles devem deixar sua própria posição muito clara, insistindo nela, com os partidos políticos existentes, para que constituam uma força para a reforma dos partidos políticos. É óbvio que não podemos participar de qualquer tipo de movimento que seja contrário à lei moral. Por outro lado, se nesse partido político ou movimento houver sinais de uma reforma, de uma adesão à lei moral, devemos apoiá-lo e incentivá-lo.

LSN: Que santos deveríamos invocar para a família hoje?

CB: Primeiramente, a Sagrada Família de Nazaré: a Virgem Maria, São José e Nosso Senhor Jesus. E, em seguida, há grandes santos casados. Podemos pensar, por exemplo, nos pais de Santa Teresinha, os Beatos Louis e Zélie Martin. Podemos pensar também em uma grande santa, como Santa Gianna Molla, aqui na Itália, em um grande santo que morreu mártir para a família, São Thomas More, que foi casado e compreendeu plenamente a vocação matrimonial. Há também o casal Luigi e Maria Beltrame Quattrocchi, que foram beatificados aqui na Itália. Pensemos também em alguém como Santa Rita de Cássia, que foi uma mãe muito dedicada: ela rezou bastante pela conversão de seu marido e também pela conversão de seus dois filhos. Esses seriam apenas alguns exemplos… existem muitos outros.

LSN: Qual é a melhor maneira de permanecermos fiéis à Igreja e ao Papa nesses tempos tão conturbados?

CB: Aderindo muito claramente a tudo que a Igreja sempre ensinou e praticou; esta é a nossa âncora. Nossa fé não reside em pessoas individuais, nossa fé está em Jesus Cristo. Só Ele é a nossa salvação; Ele está vivo para nós na Igreja através de sua doutrina, através de seus sacramentos e através da sua disciplina. Digo às pessoas – porque muitas pessoas hoje em dia se comunicam comigo e estão bastante confusas, elas estão preocupadas e aborrecidas – não, o que temos que fazer é mantermos a calma, e precisamos nos manter repletos de esperança, através de um apreço cada vez mais profundo pela verdade da nossa fé, aderindo a ela. Ela é imutável e, por fim, ela será vitoriosa. Cristo disse a São Pedro quando ele fez sua profissão de fé: “As portas do inferno não prevalecerão contra a Igreja”. Sabemos que isso é verdade e, nesse ínterim, temos que sofrer pela verdade, mas temos que ter a certeza de que Nosso Senhor vai conquistar a vitória ao final.